quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

o meu presente para todos....

Sonhos de Natal
Eu nasci e vivi alguns anos numa aldeia muito pequena escondida por uma enorme mancha de altos pinheiros e carvalhos gigantescos. Pedra de Hera era o nome dessa aldeia…(………).No tempo das férias de Natal, eu, o Ricardo, o Pedro, a Joana e a Ana passávamos muitas tardes enfiados na cozinha do senhor Afonso a ouvir as histórias que ele sabia contar(.……..)


E o Pedro voltava a contar o que lhe tinha acontecido no ano anterior. Nós já estávamos fartos de ouvir aquela história, mas deixávamo-lo falar, porque era muito bonita e fazia-nos sonhar. E eu aprendi, agora que já tenho quase tantos anos como o senhor Afonso, que uma das coisas mais bonitas da vida são os nossos sonhos ou os dos nossos amigos.

Contava o Pedro que, na noite de Natal do ano anterior, depois de se deitar na cama, ouviu, a meio da noite, um barulhinho muito estranho. Então, ele, com o coração aos saltos, pensou que era o Menino Jesus que estava a descer pela chaminé para entregar os presentes. Depois de muito hesitar, saiu da cama sem fazer barulho e foi caminhando com muitas cautelas em direcção à cozinha. Quando lá chegou, ficou sem poder falar nem mexer-se quando viu uma luz a desaparecer pela chaminé. Apesar da luz ser muito intensa, ainda teve tempo de ver os pés pequeninos do Menino Jesus.
— Se ele aparecer este ano, de certeza que o apanho! — terminava o Pedro, com os olhos muito brilhantes.
— E para que é que tu o queres apanhar? — perguntava a Joana.
O Pedro ficava calado por alguns instantes.
— Fazia-lhe muitas perguntas.
— Podias pedir-lhe para me levar uma boneca muito grande a minha casa — dizia a Ana, que sonhava ter uma boneca que fosse tão alta como ela.
E eu dizia:
— O Menino Jesus é muito esperto, nunca se deixa apanhar. Ninguém consegue vê-lo.
— Eu gostava de o ver… — suspirava o Ricardo.
— E nós também.
Nem sempre houve televisão, vídeo e jogos de computador. A história que estou a contar passou-se num tempo em que essas coisas não existiam. Mas, mesmo sem essas coisas, nós, as crianças, gostávamos de ter presentes muito especiais. Para esse ano a nossa lista era a seguinte:
Ana — uma boneca muito grande.
Joana — uma casa de bonecas, com caminhas, berços e um trem de cozinha.
Pedro — um carro de corrida e uma carroça puxada por um burrinho.
Ricardo — um avião e um barco.
Manuel (que era eu) — Livros que tivessem muitas figuras coloridas e contassem histórias com aventuras extraordinárias e uma gravata vermelha.
— Para que é que queres a gravata? — perguntava o Ricardo.
— Para parecer bem. Não posso?
— Um avião e um barco é melhor, porque, assim, eu posso brincar a dar muitos passeios.
— Os livros são melhores porque contam histórias com princesas, monstros e bruxas.
— Tu lês muito bem, mas não sabes a tabuada toda… — ria-se o Pedro.

E eu fazia de conta que não tinha ouvido. Mas era verdade. Eu nunca me lembrava que sete vezes oito são cinquenta e seis. Mas sabia muito bem que três vezes nove são vinte e sete, sentadinho na retrete está o senhor Valete a comer um sabonete.
E, assim, cada um de nós ficava com o seu sonho. E é por isso que hoje temos profissões diferentes.
A Ana é costureira e tem uma filha que é muito maior do que ela.
A Joana é cozinheira num restaurante.
O Pedro é taxista.
O Ricardo trabalha no aeroporto de Lisboa.
O Manuel (que sou eu) inventa histórias e tem algumas gravatas vermelhas………….


"António Mota
Sonhos de Natal
V. N. Gaia, Edições Gailivro, 2003
Adaptação”

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